Era mais uma vez
dia. Acordei ao som dos miados da gata, deve ter fome, pensei. Eu mesmo estava
cheio de fome, mas o torpor dos lençóis, não me deixava levantar da cama.
Deixei-me ficar a ouvir as vizinhas a conversar na rua. Anda tudo preocupado
com esta doença que por aí anda. Acabei por levantar as persianas e deixar
entrar o sol. Abri a porta do quarto e elas saltaram logo para cima da cama a
miar. Bom dia meninas, disse eu, estão cheias de saudades ou cheias de fome,
suas interesseiras!
Deixei-me ficar.
Elas foram-se pôr no retângulo de luz que entrava pela janela, a lamberem-se,
no seu banho matinal. Eu agarrei-me a outro retângulo, aquele que me permite
espreitar a vida dos outros, ou antes a vida que os outros querem mostrar, um
teatro com cenários belos, mas falsos, com personagens ocas, com tragedias
escondidas. Mas fi-lo na mesma, como todas as manhas, tardes, noites.
Estava a
tornar-se difícil enfrentar este confinamento. Estamos todos no mesmo barco, na
verdade era um pensamento mentiroso. Cada um está no seu pequeno barco e vamos
em flotilha a caminho de um destino que cada vez parece mais longe e inatingível.